os trens não se atrasam, estantes não juntam pó
poetas que não se acomodam na geometria do ocultar
poemas que já são todos os poemas que não foram escritos
ainda assim, há tempestade
uma tempestade da qual não é possível recuar –
é levitar e não saber do impossível
(lá, Deus aluga seus guardas-sóis coloridos)
sono de anzóis, pólen embrutecido
aprendendo, em sua contratura, o folhear dos cílios –
então você me diz que não conseguiu dormir
em seus olhos, de novo, o brilho do Rivotril
e o tempo que nos protege enquanto aceno
ao que vai se deixando (e ao que vai ficando)
pela linguagem que desaprendemos
e de mãos dadas ainda dizemos ser nossa
essa luminosidade, esse reincidente amor
e, por ele, o que, na secura do andar, não sumiu
.
Marcante
.
pelo trincar das falas sem voz
(sem fôlego) roendo a descostura dos dias
em que montou acampamentos
ao redor da combustão
(o nunca dormir de plantas sem água)
ao redor da alegria que, de angústia, o desarmou –
nesse adeus, ele não desiste
ao redor do próprio equívoco, não desiste de ser herói
por meio dessa língua que não canta
(que é farda e destroçar)
enquanto pensa se voltará a abraçar o amigo
que o esqueceu –
sonhando em não ser atalho
e não ser medo junto ao que se foi nos catálogos –
fingindo que o tempo de não saber, se escapar, não armadilha
pois duvidar, às vezes, é pela volta de querer gostar
sem pensar demais que a dúvida é exagero e (mesmo sombria)
não se troca
.
tu voz aliança, acende o contágio
em pedaços essa alegria de não saber
que do céu é o azul em teu olho nada frágil
doma dessa eletrocussão
Narciso envernizando com suas dunas a piscina
que devolve terra à vista
quando sugo da tua boca meu naufrágio
o corpo fervendo de não abandonar teu sim
(timbre ágil desse verde, ouro frágil)
toda vez que fico pr’amanhã
Calibã gazeando pedágio, louco
de juntar a semente
que é do alto de onde veio o teu voo
.
uma pessoa branca
sem poder de ferro
pura em país negro
é compra distante
do clube das pessoas brancas
que movimentam as chaves da fornalha
(a máquina do quando é nunca o fim dessa dor)
este forno é negro
o fogo dele é negro
faz cinzas do mestiço que se deseja branco
purificado em país tão negro
quando dança por sua fantasia
e se dobra à lei
(à sombra que a produz em verbo-áureo)
sem rodar seu carvão
como todo covarde
como todo grande impostor
.